Por Ana Clara Dantas
Vladimir Herzog nasceu na antiga Iugoslávia e veio para o
Brasil ainda criança, seus pais fugiam do Nazismo que assolava a Europa. Vlado,
como era chamado por amigos e familiares, se formou em filosofia pela USP e
logo ingressou no Jornal O Estado de S. Paulo, de onde saiu em 1964 para
estudar cinema e TV na BBC de Londres. Nessa época, ele já demonstrava interesse
na questão da TV Educativa e esperava usar no Brasil os conhecimentos
adquiridos na capital inglesa.
Na volta a São Paulo, torna-se editor de cultura da
Revista Visão e algum tempo depois surge a oportunidade de secretariar o
telejornal “Hora da notícia” na TV Cultura. Vlado integrava a equipe do então
diretor de Telejornalismo Fernando Pacheco Jordão, que tinha o notório
interesse de fazer a sociedade retomar a discussão dos seus problemas. O
noticiário exibia reportagens sobre questões sociais como transportes, educação
e saúde. O “Hora da Noticia” durou quase dois anos. Vitima de denuncias e
ameaças, foi extinto em 1974, quando toda a equipe de Fernando P. Jordão foi
demitida.
Em 1975, Vladimir é
convidado pelo então secretário de Cultura de São Paulo para dirigir o
Jornalismo da TV Cultura com o objetivo de resgatar a credibilidade da
emissora.
Vlado tinha um projeto grandioso, ele planejava fazer da
TV Cultura um Canal aberto ao diálogo para que a população discutisse seus
problemas. Todas essas ideias são encontradas no plano de trabalho intitulado “Considerações Gerais Sobre a TV Cultura”, escrito pelo jornalista. Nesse documento
ele analisa os principais erros da emissora – como a indefinição de objetivos e
do próprio publico a que se destina - e traça metas consistentes a serem
atingidas.
A proposta inovadora e o envolvimento com o Partido
Comunista Brasileiro fizeram com que Vlado fosse acusado de subversão. O colunista
do jornal Shopping News, Claudio Marques, usava seu espaço semanal para delatar
jornalistas. E o grupo da TV Cultura era um alvo constante. Na verdade,
Vladimir já esperava ser preso, pois alguns de seus colegas de trabalho estavam
detidos no DOI-CODI do II Exercito de São Paulo desde o inicio de outubro.
Ele imaginava que prestaria depoimento e seria liberado
em seguida, pois além de ser absolutamente contra a luta armada, sua
participação no PCB se resumia principalmente a discutir os danos que a censura
causava na produção cultural. Vlado nunca teve uma ligação forte com a
política, seus interesses sempre estiveram voltados para a arte, tendo
trabalhado com cinema durante muito tempo. O problema foi o partido, pois o PCB
havia se tornado uma importante frente de oposição ao governo, e participar das
reuniões dele já era suficiente para ser taxado de subversivo.
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Os jornalistas Rodolfo Konder e George Duque Estrada, a
mando dos agentes do DOI-CODI, pediram que Vlado confirmasse as informações que
os investigadores queriam escutar. Ele disse que não sabia de nada. Rodolfo
Konder estava a poucos metros da sala onde Vlado foi torturado e pôde ouvir os
gritos do amigo. Em certo momento, foi ligado um rádio e os gritos de dor e de
medo se confundiam com a noticia de que o ditador espanhol Francisco Franco
havia recebido a extrema-unção. Depois de algum tempo houve silêncio. Vladimir
Herzog estava morto. Para esconder o crime, forjaram uma cena grotesca de
suicídio, alegando que Vlado teria utilizado o cinto do macacão para cometer o ato.
A versão oficial dada pelo II Exército para a morte de Herzog foi amplamente
rejeitada pela sociedade. O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo organizou um
ato religioso ecumênico em homenagem a Vladimir.
A cerimônia aconteceu na Catedral da Sé, no dia 31 de
outubro. Havia um clima de tensão e insegurança. Grupos radicais de extrema
direita não aceitavam a proposta de abertura política do general Geisel. A
morte de Vlado soava como uma tentativa de desestabilizar o governo. Qualquer manifestação reforçaria a ideia dos
radicais de que o país estava tomado por comunistas, por isso foi montada uma
operação policial para impedir que o público chegasse a Catedral. Mesmo assim,
cerca de duas mil pessoas compareceram ao culto ecumênico que teve a
participação do Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, do pastor
protestante James Wright e do rabino Henry Sobel.
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Multidão em frente a Catedral no culto ecumênico |
Geisel alertou o
comandante do segundo exercito, general Ednardo D’Ávila, para que não ocorressem outras
mortes naquela situação. Dois meses depois, também vítima de torturas morre o
operário Manoel Fiel Filho. Ednardo é afastado do cargo. Os movimentos sociais
de oposição ao governo voltam a se organizar e a luta pela abertura política
cresce consideravelmente em todo o país.
Em 1978, quando
surgiam as primeiras comissões brasileiras pela Anistia, o Juiz Marcio Jose de
Moraes, da Justiça Federal de São Paulo, declarou a União responsável pela
prisão e morte de Vladimir Herzog, além de considerar inútil o laudo que
sustentava a versão oficial de suicídio. Mas apenas em 1996 a família conseguiu
receber uma indenização.
Recentemente, a comissão Interamericana de
Direitos Humanos intimou o Estado Brasileiro a prestar contas sobre a morte do
jornalista. Em resposta, o governo alegou que a Lei de Anistia impede a
abertura de uma nova Investigação.
Na última
segunda-feira (24 de setembro), o juiz Márcio Martins Bonilha Filho, do
Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou a retificação do atestado de óbito
de Vladimir Herzog. O novo documento deverá constar que a morte ocorreu em
decorrência de lesões e maus tratos, não por asfixia mecânica. A revisão do
atestado de óbito foi solicitada pela Comissão Nacional da Verdade, órgão que
investiga casos de violação dos Direitos Humanos ocorridos durante o regime
militar.
Nas palavras de
um dos seus grandes amigos Zuenir Ventura, Vlado soube viver, trabalhar e
morrer com dignidade. Ele acreditava que o jornalismo deveria servir a
coletividade, daí a sua frase mais famosa: “Quando perdemos a capacidade de nos
indignarmos ante atrocidades sofridas por outros perdemos também a capacidade
de nos considerarmos seres humanos civilizados”.