segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Quinze anos de cozinha da redação

A professora Socorro Veloso conta sua carreira profissional, como sofreu a tentativa de suborno e o que acha sobre a mídia ninja.


Por Matheus Soares
Fotos: Natália Noronha e Rayanne Mainara
   Com a fala arrastada, pronunciando claramente o som do s, a professora Maria do Socorro Veloso comenta os principais momentos do jornalismo com os mais de quarenta alunos de comunicação social que estão matriculados na disciplina “Linguagem Jornalística”, uma das cinco matérias que ela leciona na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal.
   Em pé, os óculos na ponta do nariz, ela relembra coberturas e reportagens com o intuito de construir um senso crítico em seus alunos, além de ensiná-los conhecimentos básicos na área jornalística, como os diversos gêneros de texto e as diferenças em cada editoria.
   Suas aulas são produto do amor aos jornais, que nutre desde pequena, e dos 15 anos dentro de redações, maior parte desse tempo assumindo o papel de editora. “Minha formação é na cozinha da redação, nos bastidores. Trabalhando na orientação do repórter e pensando numa página graficamente bem concebida”, afirma a professora.
   Socorro iniciou a carreira em 1983, quando entrou para Universidade Federal do Para (UFPA), sua terra natal, para cursar jornalismo. Naquele tempo, segundo ela, os jornalistas usavam máquinas de escrever e ainda fumavam dentro das redações, as quais eram sujas, esfumaçadas e barulhentas – devido ao Telex, equipamento que recebia as informações das agências de notícias.
   O primeiro trabalho na área foi a participação em um jornal semanal de uma grande universidade privada do estado, chamado Comunicado. Em 1986, aos 22 anos, cobre o debate entre os candidatos ao governo do Pará como teste para ingressar no Diário do Pará. “A chefe de reportagem leu meu texto, e eu estava um pouco tensa, porque sabia que ela era uma pessoal difícil de lidar. Você começa amanhã, ela disse, e eu lembro a minha imensa felicidade”, comenta Socorro. No periódico, trabalhou como repórter de cidades e de política, tendo, logo após, sua primeira experiência como editora, sendo depois rebaixada novamente a repórter por aderir à greve dos jornalistas que aconteceu em 1987.
   Socorro relembra que na época “estava com muito gás, com desejo de trabalhar e fazer diferente”, e assim foi chamada para o que ela chama de “o primeiro grande desafio” de sua vida: fazer parte da equipe que criaria o primeiro jornal diário do Amapá. “Aos 23 anos, fui editora chefe do Jornal do Dia, que era feito de forma artesanal, mas foi onde tive a primeira oportunidade de comandar uma redação”.
   Após um ano, ela voltou ao Pará, onde trabalhou no Jornal Liberal, maior veículo impresso do estado, como redatora de cidades e depois como chefe de reportagem. No periódio, trabalhou por sete anos, nos quais cinco deles fazia plantão aos domingos, independente das festas e comemorações familiares. “Folgava o sábado e trabalhava no outro dia. Chegava às 13h30 e saia às 19h”, conta a professora.
   Foi nesse jornal que ela passou dois momentos marcantes de sua carreira. O primeiro deles foi a cobertura da queda do avião 254 da Varig, em 1989, no estado do Mato Grosso, que necessitou o fretamento de um avião para o deslocamento da equipe de reportagem até o local do acidente. “Alguns passageiros do voo eram conhecidos em Belém. Foi uma cobertura sofrida, de grande intensidade e comoção”, relembra Socorro.
   Outro acontecimento foi a tentativa de suborno pela diretora do sindicato de hotéis e restaurantes do Pará. “Uma sorveteria havia sido denunciada pela presença de coliformes fecais nos sorvetes. Nós tínhamos a história. Recebi uma ligação na tentativa de oferecer a propina para que eu, como chefe de reportagem, não desse a matéria. Fiquei bastante indignada, ofendida. Desliguei nervosa o telefone. A matéria saiu”, desabafa a professora.
   Já na década de noventa, Socorro fez parte da assessoria de imprensa da Vale do Rio Doce, ainda empresa estatal. Em 1995, com 30 anos, ela decidiu voltar aos estudos. “Foi uma decisão que me salvou profissionalmente. Sentia algumas coisas se petrificando dentro de mim, então decidi fazer a pós graduação em Teorias da Comunicação na Universidade Federal do Ceará (UFC)”, comenta a professora. No entanto, mesmo estudando ela não largou a redação, trabalhando como redatora e como sub-editora de nacional e internacional no jornal cearense O Povo, em 1996. “Foi uma das melhores redações que eu já passei. Um jornal que valoriza a qualidade da informação, e os repórteres e editores são desafiados a fazer o melhor”, elogia Socorro.
   Um ano depois, ela partiu para Campinas, onde fez seu mestrado em multimeios pela Unicamp. Sem bolsa auxílio, ela teve que buscar trabalho no jornal centenário Diário do Povo, trabalhando como editora de assuntos internacionais.
   Terminando o mestrado, em 2000, ela segue “outra aventura”: ser professora. “Eu tinha um sonho de ser professora universitária e recebi um convite para trabalhar em uma instituição em São João da Boa Vista, no interior de São Paulo”. Dessa forma, Socorro encerrou suas atividades nas redações e partiu para a vida acadêmica.
   Entre 2004 e 2008, foi orientada pelo professor Laurindo Leal Filho na produção da tese do seu doutorado pela Universidade de São Paulo (USP), que abordou o jornal alternativo paraense Pessoal.
   Ainda no ano de 2008, Socorro veio até Natal para participar do concurso para professor de jornalismo da UFRN. Dentre os seis candidatos, ela foi chamada. “No dia 25 de julho tomei posse. E estou muito feliz aqui, muito a vontade”, declara ela.

"Estou muito feliz aqui, muito a vontade", comenta Socorro, professora de jornalismo há cinco anos na UFRN. 

   A rotina da universidade é fonte de contentamento para a professora, que aprende a cada dia com seus colegas de profissão e com as pesquisas que produz. Seus alunos, ela os chamam de entusiasmados e diz que constrói uma relação prazerosa com eles. “Conversar com meus alunos em sala de aula e refazer os passos da minha vida tem um efeito motivacional tremendo sobre mim. Recupero elementos que ficaram no passado e vejo que fiz algumas coisas bacanas”.
   Longe das redações, ela não esconde sua saudade dos tempos de jornal. “Nada me deu tanta satisfação pessoal quanto os anos que passei em redação, por isso que eu venho com tanta motivação para sala de aula”, ela comenta. Questionada se voltaria às redações, ela responde rapidamente: “Voltaria correndo! Mas não posso, tenho dedicação exclusiva à UFRN”.
   Há treze anos como docente, ela acompanha o desenvolvimento das mídias contra hegemônicas e as novas formas de se fazer jornalismo. “Há vários caminhos no jornalismo, não vejo como agouro. Sou extremamente fã do mídia ninja, por exemplo, uma narrativa nova. Mas acho que ela não acaba com o jornalismo. As redações estarão sempre se reinventando, e precisando de profissionais”, declara.
   Sobre o declínio do impresso, ela acredita que os jornais passarão por uma grande transformação, mudando sua periodicidade e se tornando mais especializados, mas não desaparecerão. Ela ainda aponta seu incômodo com a falta de opinião clara dos periódicos no mercado brasileiro, já que os títulos nacionais assumem um posicionamento nas suas notícias e não o explicita no seu editorial. “Eu quero ler jornais que ajudem a construir minha visão de mundo. Mas para isso, eu preciso saber o que eles pensam”, aponta.
   Estar disposto a conhecer o mundo de mente e coração abertos é a dica que ela frisa aos novos profissionais que ajuda a formar. “Não se permita o cinismo ou a indiferença, ela é danosa. Devemos produzir jornalismo com censo crítico, com extrema desconfiança o tempo todo”, comenta a leitora assídua de Gay Talese, Hunter Thompson e Eliane Brum, grandes profissionais que detém essas qualidades.
   A vida como jornalista proporcionou à paraense conhecer coisas que jamais saberia sem ter testemunhado no trabalho. A década e meia de prática jornalística desfizeram quaisquer conceitos construídos durante a sua juventude, deixando somente o senso de justiça, democracia e o amor pelo jornal. Nisso ela reintera: “Não tem a ver com grana nem poder”.
   Talvez seja por isso que todos na sala ouvem atentos as suas explicações, por saberem que quem os fala ama incondicionalmente o que fez e o que faz.

3 comentários:

  1. Ótimo post sobre uma das melhores docentes da UFRN. No entanto, gostaria de fazer duas pequenas críticas: o Jornal Pessoal é o nome do jornal em que ela baseou sua tese de doutorado e segue o link para quem quiser conferir o blog: http://www.lucioflaviopinto.com.br/ - se trata de um jornal idealizado e praticamente todo escrito por um jornalista só. A segunda crítica é relacionada a atenção devida quanto à ortografia e às palavras usadas, pois, por exemplo, censo tem um significado completamente diverso de senso. Enfim, nada que comprometa a qualidade do texto como um todo.

    Ótimo trabalho, colegas. =)

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  2. Obrigado, Mozart!! Já colocamos o link do jornal no texto e ajeitamos os erros apontados!!

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  3. Além de ser uma excelente professora, Socorro é um ser humano de sensibilidade e com um coração enorme! Parabéns pela entrevista.

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