sábado, 9 de fevereiro de 2013

Clica, foca!


Hoje o Clica, foca! traz a terceira parte da nossa pequena-nova-série [ainda sem nome] de foto. Prometemos a vocês que dividiríamos o campo do fotojornalismo em quatro grupos, e de cada grupo traríamos a história de uma foto. Já passamos pelos Beatles, pelos proletários imigrantes e hoje vamos entrar no meio de uma guerra. Bora ler?

Parte III - Guerra

 Por Natália Noronha

A foto de hoje não teve tanta repercussão quanto as fotografias anteriores, mas decidi adicioná-la à série pela força que tem – e a força de uma foto é o que mais tenho tentado mostrar. No entanto, hoje vou dividir a fala com alguém. Um cara que vai te relatar a foto bem melhor que eu. Você vai ler o relato do próprio autor do registro, Shamil Zhumatov, fotógrafo da agência de notícias britânica Reuters. Dono de uma galeria cuja porção maior de fotos são registros de bombardeios, ataques ou flagrantes de violência, Shamil contou à Reuters a história do clique de hoje. Olha aí:




“Eu fui incorporado a uma equipe de apoio do pelotão dos EUA em uma base pequena de policiais afegãos. Na verdade, é um erro chamar aquilo de base - um edifício feio por trás de uma parede de tijolos crus cheios de marcas de bala. O primeiro dia foi relativamente tranquilo - um pouco de tiroteio que cessou logo à noite. No dia seguinte o mundo desabou: um tiro, uma breve pausa e depois novamente o disparo. Um grupo do nosso pelotão iria mandar bala em volta do prédio a cada 40 minutos para patrulhar a área de onde os tiros foram disparados em nossa direção. Alguns desses grupos de patrulha não davam sorte e acabavam sendo alvejados. Acompanhei algumas patrulhas pela manhã e me senti exausto logo ao meio-dia. Fazia um calor absurdo, cerca de 40 graus. Um tempo depois, um grupo decolou e eu fiquei na base. 
O grupo foi baleado novamente. Tudo ficou assustador. Um tiro, depois outro e rajadas de metralhadora e depois tudo se transformou em um rugido ensurdecedor, sem fim. De repente, uma explosão rugiu. Eu consigo reconhecer uma explosão, e aquela foi das grandes. Quase ao mesmo tempo, eu ouvi alguém gritando pelo rádio: "Nós precisamos de um médico!" O médico que estava com a gente se aprontou e agarrou sua mochila; eu coloquei minha jaqueta e um capacete, alguém pegou uma maca e a gente saiu. Quando chegamos, o primeiro pensamento que passou pela minha cabeça foi: por que diabos a gente precisa de um médico aqui? O cara está morto! Metade do corpo estava deitado no chão, não tinha mais nada debaixo da cintura e ele estava sem roupa. Todo mundo estava ocupado – enquanto alguém nos dava assistência, o médico fazia injeções e outros preparavam a maca. E eles gritavam para o soldado ainda inconsciente: "Espere! Tudo vai ficar bem!" Eu perguntei se eu poderia ajudar em alguma coisa. Só me pediram pra afastar uma metralhadora do corpo. Dei uma garrafa de água pr’um soldado ferido na perna. O cara bebeu e furiosamente jogou a garrafa fora. E no meio de tudo isso eu estava fotografando.
 Tentei ser o mais discreto que pude. O soldado gravemente ferido foi colocado na maca e todo mundo se preparou pra correr. Um sargento atirou seu rifle em minhas costas pra me avisar que levasse uma mina. Aí a gente correu. Os braços do soldado estavam caídos pra fora da maca. E enquanto a gente atravessava um lamaçal, alguém gritou pra mim: "Coloque os braços dele na maca!” Peguei a mão esquerda do soldado ferido – estava quente, mas estranhamente leve, como se fosse oca - deitei sua mão em cima de seu peito, mas caiu de novo.
 Um helicóptero chegou de Kandahar apenas 10 minutos após a explosão. (As ambulâncias da nossa cidade não são tão rápidas assim!) A placa com uma cruz vermelha fez um círculo em cima da gente e pousou em um campo inundado por uma nuvem roxa de fumaça. Colocaram o soldado no helicóptero, gritaram alguma coisa para os médicos, aplicaram outra injeção e o helicóptero foi embora. A gente permaneceu no campo em um silêncio gritante. Foi aí que eu processei as coisas – fiquei com falta de ar e me senti mal. Voltamos, finalmente. Devolvi a mina e o rifle que jogaram em mim. Tinha uns meninos chorando; fui fazendo alguns cliques, tudo sem a menor pressa.
Decidiram enviar os soldados levemente feridos para uma base maior em um veículo blindado. Eu disse que iria também. Um soldado bem jovem desmaiou no caminho, e prontamente lhe aplicaram morfina. Chegamos ao hospital e ficamos esperando. Fiquei sentado perto da porta na tentativa de impedir a saída. O médico me pediu para ajudá-lo, e desajeitadamente eu segurei a mochila dele, o meu saco de dormir e uma metralhadora de um soldado ferido. Eu juntei tudo e coloquei no chão, bem pertinho da gente. Só minhas câmeras estavam comigo. A gente colocou o soldado que tinha desmaiado numa maca para levá-lo ao atendimento. Apenas os médicos se mantiveram frios naquela situação. Assim que a gente preparou a maca, uma médica disse "Vocês já podem ir embora, nós temos que trabalhar". Isso meio que acalmou a gente. 
Aquele soldado gravemente ferido sobreviveu. Teve os dedos amputados e inúmeros ferimentos na área da pélvis. Tinha 20 anos, um ano mais novo do que minha filha Alinka. 
Mais tarde fui editar as fotos e acertar contas com a assessoria de imprensa do exército. Porque se um soldado é ferido e fotografado durante o combate, já conta como invasão de privacidade, e você tem que assinar um acordo em escrito para publicar as fotos. Eles fazem bem direitinho – o soldado está vivo, então o soldado tem direitos. Em princípio, eles estão certíssimos. É que a gente vive num mundo diferente. Dois soldados que tinham saído nas minhas fotos assinaram prontamente os papéis. A equipe me agradeceu pela companhia e pelo que eu tinha feito por eles. Algumas fotos nunca serão publicadas. E eu ficaria grato se não as tivesse tirado, mas aconteceu. 
Disseram que eu tinha que ir pra casa e me mandaram para uma base maior onde estaria o helicóptero que me levaria. No meio do caminho, um comboio passou pela construção na delegacia de polícia afegã para deixar comida e água lá. Ironicamente, quando a gente chegou lá, os tiros começaram. Fotografei e tudo. Pegamos a estrada e ouvimos na rádio que um atirador do exército tinha finalmente pego quem estava atirando do outro lado. Conheço a criatura: um sargento pequeno e magro. Me disseram que ele não vê bem pelo olho esquerdo porque um fragmento de bala ficou lá, mas seu olho direito está ótimo. Capturaram o inimigo: o 11º que o atirador do exército conseguiu capturar. E aí eu fiquei aliviado. Um homem morreu, mas fiquei aliviado. Talvez a guerra seja coisa de gente nova. Vou é pra casa.“


Na foto: soldados do exército americano se consolam após saberem que um colega se ferira gravemente. Afeganistão, 12 de junho de 2012.
Observe a foto. Enquanto os soldados se abraçam, outro descansa atrás. Sua expressão corporal denuncia cansaço e frustração.

(É possível que vocês encontrem alguma incoerência ou falta de ligação entre as orações. Isso porque o texto original está em inglês e precisamos traduzi-lo. Então desde já pedimos desculpas por qualquer falha.)

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