sexta-feira, 23 de novembro de 2012

#FOTO DA SEMANA

Clique não, me dê um pão!




Por Natália Noronha


Acho que essa foto estampou quase todas as campanhas de combate à fome que eu já vi. Também deve ter passeado por entre as páginas de quase todas as minhas apostilas de Geografia do Ensino Fundamental. E vou arriscar dizendo que, realmente, a fotografia se fez a expressão maior da fome na África. Perdão: Kevin Carter a fez.
O fotógrafo de origem sul-africana viajou ao Sudão para testemunhar o que [mais um]a guerra civil tinha deixado (sim, mais uma, porque o país vive em guerra há décadas). Kevin e mais alguns amigos fotógrafos, que formavam o Bang Bang Club, aprontaram seus equipamentos e foram à procura dos melhores cliques para montar uma foto-reportagem. Em uma de suas buscas, Carter se deparou com o que seria o alto (e o baixo) de sua carreira.
Era uma criancinha. Arrastava-se ao chão, parecia agonizar. Sua aparência esquelética era tão gritante quanto sua fome. Logo atrás, um abutre particularmente feio e com cara de vou-te-comer-já-já assistia discreto à criança se arrastar. E, assistindo ao abutre assistir, estava Kevin. Observou uns vários minutos para ver se a ave abria as asas (quem sabe a foto ficaria mais chocante?). Desistiu. Fotografou e foi-se.
A foto ganhou destaque na edição de março de 1993 do The New York Times e foi a responsável pela ascensão de Carter como fotógrafo. Em 1994, Kevin ganhou o Prêmio Pulitzer de Fotografia.

 (Pra você ter uma noção do quanto a foto foi prestigiada, o Pulitzer é a maior premiação do ramo, uma espécie de Oscar da Fotografia. Né coisa fraca não.)

Mas a história não foi tão florida assim, cheia de altos, prêmios, confetes e “vivas!”. A foto foi também o grande baixo de Kevin. Assim como você deve ter se perguntado quando conheceu a história do registro, muitos também se perguntaram por que Kevin Carter não ajudou o garoto.  Por que, sei lá, ele não largou a câmera e o levou a um abrigo? Por que ele se preocupou mais em localizar o melhor ângulo do que em salvar a criança? Kevin foi deveras criticado quanto à sua atitude. Criticado o bastante, talvez, para que meses após ter sido premiado ele se suicidasse. Em junho de 1994, o fotógrafo morreu. Levou seu carro a um local propositalmente escolhido e deixou que uma mangueira levasse monóxido de carbono do escapamento ao interior do veículo.
Tanto quanto sobre sua postura, Kevin também foi perguntado sobre o destino da criança. É de se imaginar o que aconteceu minutos depois do clique. Baseando-se pela aparência do garotinho e pelo olhar vou-te-comer-já-já do abutre, dá pra arriscar que o fim foi de morte para a criança. Mas não, ela não morreu. Sobreviveu à ave e à fome e ainda viveu alguns anos. Segundo seus pais, Kong Nyong morreu há 5 anos, vencido por uma alta febre. Olha aí o pai do menino:
"Abutre comeu coisa nenhuma, rapá!"

Olhe bem, eu não sei o que o fotógrafo realmente sentiu após fazer o clique. Ninguém sabe. Mas todas as fontes que consultei para estudar o caso afirmaram que Kevin ficou depressivo, arrependido, perdido. Imagino... Deve ter se sentido tão vazio quanto a barriga da criancinha. O arrependimento de não ter sido a salvação da criança aliado a seus outros problemas (diz-se que ele tinha problemas com a família e que era depressivo) foram os motivos prováveis de sua queda.
Robert Capa, fotógrafo húngaro e testemunha de muitas guerras, é dono da seguinte frase: Se sua foto não está boa o suficiente, você não está perto o suficiente”. Ele não estava se referindo, acredito, à distância física apenas. Mas sim ao quão estreita pode ser a relação entre o fotógrafo e o caso. Kevin se envolveu tanto com a criancinha, tanto com o abutre, tanto com a criancinha e o abutre que sua foto ganhou prestígio, aplausos e “vivas!”.
Ok, foi um belo de um clique, meu senhor. A foto foi boa, Robert Capa. Mas me responda: esse envolvimento todo e muito é necessário? É conveniente? Tenho de me vestir de profissional apenas, só porque estou sendo pago pra fazer o que sei fazer? Até onde posso ir, enquanto fotógrafo ou fotojornalista? Até quantos minutos posso esperar o abutre abrir as asas? Sexta, no Globo Repórter.

Um longa sobre a carreira dos quatro fotógrafos do Bang Bang Club e sua ida ao Sudão foi lançado em 2010. O filme tem o mesmo nome do grupo e é uma adaptação do livro autobiográfico The Bang-Bang Club: Snapshots from a Hidden War. Olha aí o trailer.


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